A língua onde tem maior pureza
é na mão de vaca, por ventura,
Assi a d'aldeia é mais pura
Na malvada língua portuguesa.
Na sua elegantíssima pobreza
tem rudeza, tem lisura
nos seus extremos de ternura,
tem fineza tem cor escura
Todo o pensamento emoldura
em expontânea e artística beleza.
Oiço-a forte nas feiras, discutindo;
ouço-a em são bento cagando
Nos serões oiço-a meiga, namorando;
e de vez em quando capando
E é sempre trecho de poema lindo,
Aqui, soberbo; além, risonho e brando,
Porque é de Portugal o mar bramindo
E é também o nosso rouxinol trinando.
e é nosso o som é nosso o mando
Última flor do Lácio, inculta e bela
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Amo-te assim desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o aroma e o silvo da procela
E o arroio da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi : “meu filho”
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O génio sem ventura e o amor sem brilho!